O governo ontem pelo visto deu-se conta do quanto soava inverossímil a
versão de que ninguém no Palácio do Planalto e Esplanada dos
Ministérios estava dando a menor pelota para o julgamento em curso no
Supremo Tribunal Federal.
Dois ministros, Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da
Presidência, e José Eduardo Cardozo, da Justiça, manifestaram-se depois
de dias de ineficaz imposição de toque de silêncio forçado. Ambos
disseram que qualquer que seja o resultado não haverá desgaste para a
presidente Dilma Rousseff nem prejuízo eleitoral para o PT.
Note-se, não são quaisquer ministros, mas dois auxiliares muito
próximos do cotidiano da presidente, sendo um deles, Gilberto Carvalho,
ligadíssimo ao ex-presidente Lula. Um indicativo de que a mudança possa
ter a concordância dele.
Não se imagina que Lula vá passar a tratar do assunto em público com
desenvoltura, mas ao menos é de se esperar que agora cesse a embromação.
Uma atitude bastante mais condizente com o bom senso, a lógica e o
respeito ao discernimento alheio que a decisão anterior de tentar manter
distância do caso mediante um artifício sem pé nem cabeça.
Pode ser até que o restante do País não dê a devida atenção às
sessões do STF, mas na capital da República não se fala de outra coisa
nas rodas de alguma forma relacionadas ao poder.
De onde a simulada indiferença já se transformara em piada de todos os salões.
Em boa hora se impôs o recuo, de resto inevitável. Basicamente por
dois motivos. Um, a óbvia impossibilidade de estabelecer artificialmente
uma dissociação, vez que o próprio advogado de José Dirceu levou Lula e
Dilma para o centro do tribunal ao citá-los como testemunhas de defesa
da conduta proba de Dirceu quando na Casa Civil.
Outra razão, a inverossimilhança da história. O caso envolve o PT, o
partido do governo que nas eleições municipais estará na televisão
defendendo seus candidatos.
Acrescente-se à revisão de cálculo político feita pelo Planalto ainda
o fator efeito condenação ou absolvição. Na hora de anunciado o
resultado, o governo inevitavelmente precisará dizer alguma coisa,
precisa estar livre para tal.
Se a conclusão for desfavorável aos réus, poderá comentar com a
autoridade de quem não se escondeu do tema. Se continuasse no terreno da
negação, aos olhos do público pareceria derrotado, situação
desconfortável diante de decisão da Corte Suprema institucionalmente
indiscutível.
A opção por posição mais madura dá ao governo uma aparência de
neutralidade e lhe abre até a possibilidade de comemorar. Discretamente,
renovando votos de confiança na Justiça e feliz da vida por ter mais
uma vez dado a volta por cima.
De Augusto Nunes,VEJA
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