As dez agências reguladoras do governo federal possuem orçamento de R$ 9 bilhões. Apesar disso, apenas R$ 2,6 bilhões foram pagos até agora. Um dos motivos para o baixo desempenho é que 60,7% do montante total está alocado na rubrica “reserva de contingência”, e serve apenas para atender a metas fiscais do governo federal.
O “problema” orçamentário fica ainda mais evidente quando analisados os orçamentos das agências separadamente. A autarquia com maior valor em termos de orçamento é a Agência Nacional do Petróleo (ANP), com R$ 4,1 bilhões previstos para 2012. No entanto, quase 90% dos recursos foram contidos na reserva de contingência. Com isso, os valores pagos não chegaram a nem 2% do total, ou seja, R$ 321,8 milhões.
O mesmo acontece com a segunda maior agência reguladora em termos de orçamento. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) possui R$ 2,1 bilhões autorizados para 2012, porém apenas R$ 465 milhões efetivamente podem ser utilizados. O restante está contingenciado. O resultado é que somente 17,2% dos orçamento foi efetivamente utilizado em 2012.
Para o professor de direito administrativo da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Ari Vieira Sundfeld, o contingenciamento é um problema que atrapalha o trabalho das agências reguladoras. “A Lei de Diretrizes Orçamentárias é uma fantasia. Se no final quem determina o orçamento é o próprio Poder Executivo, o Congresso Nacional não exerce seu papel”, afirma.
Sundfeld ressaltou ainda que o contingenciamento, no caso específico das agências reguladoras, esconde o problema das altas taxas de tributação no país. Especialmente no caso da ANP e Anatel, segundo ele, as taxas de fiscalização dos serviços são altas demais. “Elas arrecadam muito mais recursos do que o necessário para manter a estrutura. É lógico que o Brasil precisa de superávit primário, mas não por meio de taxa de fiscalização”, explica.
As agências reguladoras são autarquias federais criadas na década de 90, após o programa de privatizações de estatais promovido no primeiro Governo FHC (1995-1998). Inspiradas no modelo americano, as agências são encarregadas de controlar a eficiência de entidades privadas que exploram serviços de interesse público, como a telefonia e atividades da indústria petrolífera.
Essas agências podem autorizar reajustes de tarifas, aplicar penalidades às empresas sujeitas a sua fiscalização e baixar regulamentos para manter o bom funcionamento do setor sob sua supervisão.
Atualmente o governo conta com dez agências reguladoras: Agência Nacional de Águas (ANA), Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Petróleo (ANP), Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência Nacional do Cinema (Ancine) e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
Indicações políticas para cargos
Outro problema das agências foi o deflagrado pela Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, no começo de novembro. As autarquias possuem cargos estratégicos de direção indicados de maneira política. Para Sundfeld, a situação enfraquece o princípio de autonomia das agências reguladoras.
“Quando a escolha envolve razões políticas, há fidelidade aos preceitos partidários dos indicadores, ou seja, espera-se a troca de favores. O escolhido pode não fazer análises técnicas, baseada em conceitos e análises críticas em relação à Agência”, ressalta o professor.
A Polícia Federal indiciou o ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) Paulo Rodrigues Vieira foi apontado como chefe da máfia dos pareceres. Ao todo, a ANA possui R$ 365,6 milhões no orçamento de 2012.
A operação prendeu também Carlos Vieira, que ocupava o cargo de Diretor de Infraestrutura Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Rubens Carlos Vieira foi preso ontem na operação Porto Seguro da Polícia Federal, que envolvia um esquema de corrupção e elaboração de pareceres fraudulentos para que grupos privados obtivessem vantagens junto à administração federal.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) teve quatro indiciados pela Polícia Federal. O Procurado-Geral da Agência, Glauco Cardoso Moreira, o ex-chefe de gabinete, Enio Soares Dias, o ex-ouvidor, Jailson Santos Soares e o ex-diretor, Tiago Pereira Lima. Ao todo a Antaq possui R$ 100,8 milhões previstos em orçamento deste ano e não sofre com contingenciamento.
O histórico de apadrinhamento político é antigo. Quando foi criada a ANP, em 1998, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso indicou então o genro, David Zylbersztajn, para a diretoria. A oposição enxergou nepotismo na nomeação. Entre 2003 e 2004, uma série de regras foram criadas para ampliar a presença de especialistas no corpo técnico das agências. A indicação aos cargos de chefia, no entanto, ainda está na mão de quem está no poder.
Sundfeld ressaltou ainda que há certa paralisia nos conselhos diretores das agências reguladoras porque grande parte não foi indicada ou os indicados ainda não foram sabatinados no Congresso Nacional. “Os diretores interinos é que fazem parte do conselho. O que também fragiliza, em termos de gestão, o trabalho das agências”, explica.
Ajuda com projetos do governo
A consequência direta do apadrinhamento está no fato das agências sustentarem projetos do governo federal. Em setembro, por exemplo, o governo federal apresentou o plano para reduzir a conta de luz. Apesar de beneficiar consumidores, o plano não foi aceito pelo mercado.
Empresas privadas disseram que as novas condições causariam perdas e companhias que toparam a proposta do governo foram punidas pelos acionistas – as ações da Eletrobras chegaram a cair quase 50% em dois meses. Para especialistas, a Aneel não fez o seu trabalho.
“Seria obrigação da Aneel alertar o governo de que essa intervenção seria prejudicial ao setor no longo prazo, pois aumentaria o risco jurídico para futuros investimentos. Mas a agência fez o contrário: defendeu o projeto do governo”, explicou Juarez Freitas, professor de direito em administração pública na PUCRS e na UFRGS ao Jornal Zero Hora.
No início de dezembro, em audiência no Congresso, o diretor-geral da Aneel, Nelson Hübner, defendeu a proposta do governo e disse que o projeto foi amplamente debatido com empresas. Hübner circula por altos cargos do governo desde 2002. Em 2003, foi chefe de gabinete da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff.
O uso da Anac para licitar a privatização de aeroportos, assumindo caráter executor em vez de regulador, é outro exemplo. Com isso, a visão isonômica sobre empresas, usuários e governos fica comprometida, explica Carlos Ari Sundfeld, professor de na Fundação Getulio Vargas. “Muitas vezes, o Executivo acaba sabotando essas autarquias para viabilizar seus projetos em setores estratégicos”, explica.
De Dyelle Menezes, CONTAS ABERTAS
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