sábado, 12 de novembro de 2011

Os maconheiros e os hipócritas

É impressionante que até hoje se tente usar a maconha no xingatório político.
Isso era comum sob a ditadura militar. Sem a legitimidade que só as democracias oferecem, o regime e seus aliados evitavam argumentos políticos para criticar adversários.
Mulheres emancipadas eram chamadas de prostitutas. Mesmo oposicionistas que rejeitavam a luta armada costumam ser acusados e até investigados como suspeitos de terrorismo.
Glamourizada pela contracultura, que pregava uma forma de liberdade que produzia tensões no autoritarismo, a maconha era um dos alvos prediletos.
A ditadura acabou mas o estigma prosseguiu.
Em 1985, quando tentava desqualificar Fernando Henrique Cardoso, seu adversario na campanha pela prefeitura de São Paulo, o conservadorismo paulista contratou um jornalista inescrupuloso para distribuir um panfleto chamando-o de maconheiro.
Na verdade, o máximo que FHC admitira era ter experimentado maconha, como contou a jornalista Miriam Leitão em entrevista para a revista Playboy. (Só para lembrar como certos argumentos se repetem. FHC também foi atacado porque deu uma resposta ambígua sobre “Deus.” Isso lembra alguma coisa? )
É curioso que hoje se use a expressão “maconheiro” para rebaixar os estudantes que ocuparam — erradamente, a meu ver — a reitoria da USP.
Já disse em outras notas o que penso sobre a visão política desses estudantes. Para mim, é irracional. Mas não acho que isso tenha a ver com uso de maconha. (Piadinha….)
Em 2011, a maconha é uma droga consumida por um número imenso de pessoas e não só na USP e não só por pessoas “de esquerda”, “contestadoras”, “radicais”, “hippies”, “hippies velhos”, o que for…
Tenho certeza de que há usuários de maconha entre estudantes que ocuparam a reitoria e entre seus adversários. Com certeza vamos encontrar “maconheiros” entre aqueles que articulam uma chapa “apolítica” e até mesmo entre adultos que lhes servem de inspiração e que conservaram o costume da juventude.
Conheço aquilo que poderiamos chamar de famílias maconheiras, pois pais e filhos acendem um baseado num ritual semelhante ao que se vê em casas onde as pessoas se reunem para tomar uma taça de vinho.
Não uso maconha e acho que há uma tolerancia excessiva em relação aos males que ela causa à memória e mesmo a saude psíquica das pessoas.
Mas ela está aí. Fernando Henrique Cardoso faz campanha por sua legalização e ninguém acha um disparate. Pelo contrário. O filme sobre a maconha – uma peça de propaganda, desequilibrada e unilateral – foi badalado com gosto e prazer, como se fosse séria.
Muita gente faz ar inteligente quando explica que é preciso aceitar a noção de que nenhum sociedade vive sem drogas, que a guerra foi perdida e assim por diante. Fala-se de Portugal, da Suiça, da Holanda.
Chiquérrimo.
Por que não fazer o mesmo ar inteligente quando a PM  resolve levar para a delegacia três estudantes que enrolavam um baseado dentro do carro?
Por que esse coro da legalização não pede um pouco de flexibilidade?
Por que não lembrar que, mesmo ilegal, o uso da maconha talvez não seja a irregularidade prioritária a ser combatida na USP?
Não vamos fingir que somos tão inocentes. É evidente que temos uma visão utilitária, aqui. Quando é necessário fazer ar de moderno, fala-se em legalizar a droga. Quando é necessário fazer ar de antigo, fala-se de “maconheiros.” E ninguém acha estranho.

De Paulo Moreira Leite/ÉPOCA

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