Anunciados oficialmente pelo poder público nos últimos 50 anos, projetos acabaram barrados por obstáculos econômicos e políticos
RIO — O carioca já poderia estar cortando a cidade, da Barra ao Centro, passando pela Zona Sul, num moderno trem magnético levitando sobre trilhos. Se morasse na Baixada de Jacarepaguá ou no subúrbio, e quisesse ir aos aeroportos, embarcaria no metrô. Saindo de carro pela orla, poderia passar por uma Avenida Niemeyer ou uma Autoestrada Lagoa-Barra duplicadas. Um bom programa seria visitar o Museu Guggenheim, na Zona Portuária. Cansado do Pão de Açúcar? O passeio no bondinho poderia ser à estação do Morro da Babilônia. Atravessar a Baía de Guanabara seria por um túnel metroviário submerso. Projetos urbanísticos, culturais, turísticos e de transporte de massa como o trem japonês, as linhas 3 e 6 do metrô, o Transpan, a expansão do bondinho do Pão de Açúcar e a construção de um equipamento cultural de nível internacional no Píer Mauá, entre outros, bem poderiam ter saído de uma crônica de primeiro de abril. Mas, anunciados oficialmente pelo poder público nos últimos 50 anos, esses e outros projetos acabaram barrados por obstáculos econômicos, políticos, urbanísticos, sociais e judiciais. Hoje habitam as pranchetas dos engenheiros e arquitetos, um campo de ideias de um Rio de mentirinha, nunca implantado.
Sucessivos projetos foram pensados para diminuir o tempo do carioca atrás do volante. Vice-governador na gestão Marcelo Alencar (1995-99), o deputado estadual Luiz Paulo Correa da Rocha (PSDB) lembra que, no final dos anos 90, prefeitura e estado defendiam ideias diferentes para acabar com o tormento que já era sair da Barra via Zona Sul. O embate era entre o HSST (o trem japonês), uma linha gestada no primeiro governo Cesar Maia (1993-96) e defendida pelo sucessor Luiz Paulo Conde (1997-2001), e a antiga Linha 4 do metrô, que ligaria a Barra a Botafogo, passando por São Conrado, Gávea, Morro São João, Jardim Botânico e Humaitá, planejada dentro do Plano Integrado de Transportes ainda durante os anos de fusão dos antigos estados do Rio e da Guanabara (1975-78). Treze anos depois, o trem magnético passou para história como uma ideia infeliz, e a linha 4 teve o trajeto modificado, passando a atravessar Gávea, Leblon e Ipanema, e virando projeto de mobilidade fundamental dos Jogos Olímpicos, em 2016.
— O trem japonês seria uma intrusão visual enorme, não atendendo a qualquer análise de impacto ambiental — diz o parlamentar.
A proposta do trem suspenso usava uma tecnologia de transporte silencioso, mas causou furor por onde, em tese, passaria. Pelo menos duas associações de moradores — a de Botafogo e a do Jardim Botânico — entraram na Justiça, na época, para barrar o intento do prefeito. A rede do HSST desceria pelo canteiro central da Avenida das Américas, Autoestrada Lagoa-Barra, Lagoa, Humaitá, Botafogo, Aterro do Flamengo até o Aeroporto Santos Dumont.
— Graças a Deus esse trem não saiu! — enfatiza a presidente da AMA-Botafogo, Regina Chiaradia — Os vagões cortariam a Rua São Clemente na altura do terceiro andar dos prédios, devassando a vida das pessoas, como um Elevado Paulo de Frontin. O trajeto incluía o Parque do Flamengo, uma área tombada. Ele teria um viaduto só para ele, uma coisa esdrúxula .
Regina lembra de outro projeto do prefeito Conde que a deixava arrepiada: o aterramento da Enseada de Botafogo para criar uma espécie de extensão do Parque do Flamengo, com marinas, campos de futebol e concha acústica. E lamenta as mudanças implementadas na Linha 4:
— Fomos contra (o aterramento), naturalmente. Já a Linha 4 original era uma beleza. Hoje já existe uma estação escavada e pronta no subsolo do Morro São João, onde se poderia fazer a baldeação para a Linha 1.
Outro órfão dos projetos originais do metrô é o empresário Ronaldo Cezar Coelho. À frente da Agência de Desenvolvimento do Rio, no final dos anos 90, Ronaldo liderou os estudos de viabilidade técnico-econômica da Linha 3 (Rio-São Gonçalo-Itaboraí), outra variação do sistema ferroviário planejado pelo estado quase 30 anos antes. Entusiasta da linha, que teria um túnel passando sob as águas da Baía de Guanabara, o ex-deputado defende que o projeto, teria um “impacto histórico na distribuição da populacão de onze milhões de pessoas da Região Metropolitana, na medida em que aproximaria o trabalho da moradia”.
— É de longe a mais importante intervenção urbana do Brasil sob a ótica das pessoas. A estação Carioca tem mais um andar abaixo do atual já pronta e que custou muito caro. Temos engenharia nacional banal para construção do túnel submarino, que teria três quilômetros. O passageiro levaria 29 minutos do Centro do Rio a Alcântara (em São Gonçalo) — diz Ronaldo.
Previsto para ficar pronto antes da Copa do Mundo de 2014, o Transcarioca, corredor de ônibus ligando a Barra ao Aeroporto Internacional Tom Jobim via subúrbio, ocupa hoje um eixo rodoviário que, há 40 anos, esperava-se que seria usado para a Linha 6 do metrô. O projeto metroviário, diz Luiz Paulo Correa da Rocha, chegou a ser ressuscitado, em parte, pelo prefeito Cesar Maia, com o nome de Transpan, passando pela Linha Amarela. Hoje vereador do DEM, Cesar diz que o Transpan ficou no campo das ideias porque a concessionária da Linha Amarela teria visto no metrô um risco ao equilíbrio econômico do contrato da via expressa.
Cesar, por sua vez, chegou a planejar uma linha de Veículos Leves sobre Trilhos passando por Cidade de Deus e Madureira, que também habita pranchetas com projetos nunca executados. Segundo o ex-prefeito, a linha chegou a ser licitada, “mas a interferência do cartel dos ônibus impediu sua implantação”:
— Esse VLT é o que é hoje o Transcarioca, que está sendo feito usando as empresas de ônibus.
Antes de ganhar esse nome, o Transcarioca já teve outra alcunha. Batizado de Corredor T5, ele terminava na Penha. O ex-secretário municipal de transportes do Rio de 2002 a 2008 (nos governos Conde e Cesar), o hoje deputado federal pelo PSD Arolde de Oliveira reclama para a sua gestão o detalhamento da obra que executada agora. Ele lembra de outra iniciativa de transportes que ganhou ares de lenda urbana, uma linha de VLT ligando o Jardim Oceânico ao Recreio, pelo canteiro central da Avenida das Américas, onde hoje corre o Transoeste:
— Fizemos um convênio com o governo da França para isso. Só que com a Linha 4 do metrô terminando no Jardim Oceânico, e o BRT indo até lá, esse projeto fica prejudicado. Mas ainda acredito que haveria demanda para fazê-lo.
Cesar talvez tenha sido responsável pelo projeto mais significativo desse Rio que nunca se concretizou: o museu Guggenheim, no píer Mauá. A ideia era usar o equipamento cultural para catalizar a revitalização da Zona Portuária. O complexo, dizia-se à época, poderia receber mais visitantes que o Cristo Redentor (na época na casa dos 900 mil por ano). Desenvolvido pelo arquiteto francês Jean Nouvel, o prédio tinha forma de navio e teria uma parte submersa na baía. A aventura do Guggenheim carioca acabaria barrada na Justiça, que julgou ilegal o contrato fechado entre a prefeitura e a Fundação Solomon R. Guggenheim. Dez anos depois do naufrágio daquele que seria apelidado de Titanic Cultural pela classe artística do Rio, Cesar ainda dá sinais de inconformidade, mas admite que o projeto não teria lugar no Rio de hoje.
O atual prefeito, Eduardo Paes, (PMDB), não poderia sair desta história sem um projeto no campo do Rio de mentirinha: a expansão do bondinho do Pão de Açúcar até o Morro da Babilônia, no Leme. No ano passado, a despeito do centenário do bondinho, Paes cogitou autorizar a execução do projeto original do engenheiro Augusto Ramos que, no início do século passado, incluía a Babilônia no passeio do caminho aéreo. O projeto é uma ideia do Caminho Aéreo do Pão de Açúcar, mas depende de aval do Exercito, uma vez que a Babilônia é uma área militar.
— Esse projeto não é meu , e os moradores não querem. Estou tirando do papel muita coisa que está planejada há anos — defende-se Paes.
O projeto do bondinho de fato divide moradores. Parte é contra o projeto, com receio de transtornos ao bairro. Já o presidente da Associação de Moradores, Francisco Nunes, é mais flexível. Ele diz que o projeto em tese, é interessante. Mas para tirar do papel, a prefeitura teria que discutir a ideia com os moradores, explicitando a contrapartida que o bairro receberia.
— Não é a primeira vez que se fala em ligar a Urca à Babilônia. Nos anos 80, chegou-se a pensar nisso. Eu sou mais propenso a ouvir. A ideia, no geral, me agrada. Mas teria que ver qual seria o legado para o bairro. Hoje, o Leme é tratado como a casa da Mãe Joana — reclama Nunes.
Nas idas e vindas do Rio do faz de conta, projetos não executados, ou feitos apenas em parte deixam para trás o seu rastro, às vezes escondidos com outros nomes. Concebido pelo arquiteto e urbanista grego Constantino Doxiadis, sob encomenda do governador do então estado da Guanabara, Carlos Lacerda (1960-65), o plano Doxiadis reformulava as linhas mestras do urbanismo do Rio. No auge do rodoviarismo (em que a economia do país e o pensamento urbanístico focavam o uso do carro), o plano criava uma rede de circulação viária que viria a ser conhecida depois como o das linhas policromáticas para integrar a cidade. Foi desse caldeirão urbanístico que saíram as linhas Vermelha e Amarela. A linha Marrom seria implantada parcialmente ao longo dos anos. Um trecho dela é hoje conhecido como Radial Oeste, no Maracanã. Já a linha Azul sairia da Penha e seguiria até o Recreio. Reconhece? Isso mesmo. A Linha Azul teria trechos aproveitados nos projetos seguintes da Linha 6 do metrô, no Corredor T5, no VLT, no Transolímpica, no Transcarioca...
De Isabela Bastos, jornal O GLOBO
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