O mundo tem convivido com medos econômicos extremos: calote americano e desmonte do euro com falência sequencial de países. Esse clima de fim do mundo econômico embute lições importantes, a mais óbvia é que gastos excessivos produzem desequilíbrios incontroláveis, a outra é que momentos em que tudo parece bem demais podem ser apenas bolhas.
O Brasil tem, olhando esses eventos em outros países, a sensação de que é uma ilha protegida por enormes rochedos que impedirão a chegada das grandes ondas. Aqui, o emprego está baixo; os imóveis se valorizando; os empresários reclamando de apagão de mão de obra em inúmeros setores que vão da informática à indústria de entretenimento; os bancos são sólidos; e o governo aumenta a arrecadação.
Tudo isso é verdade, e no entanto é preciso estar alerta. O déficit público permanece em 2,5% do PIB. Mas o governo pode dizer que é até mais baixo do que a meta com a qual a Europa sonha. De fato, é. Os europeus, como se sabe, estabeleceram em Maastricht um limite de 3% do PIB de déficit que seria a base fiscal sólida para a união monetária. E hoje, no meio do caos, de novo o continente estabelece que a meta para 2013 é os déficits convergirem para 3%.
O risco de pensar que nada há a fazer no Brasil é não aproveitar o momento de aumento da arrecadação para equilibrar essa conta. O Brasil tem déficit pequeno porque os brasileiros pagam cada vez mais impostos e o ritmo econômico permite elevação das receitas. Mas o governo não fez ajuste algum, não melhorou a qualidade do gasto, a Previdência tem um custo excessivo para um país tão jovem. Erros cometidos nos bons momentos cobram a conta quando a situação se inverte.
O limite de Maastricht não foi respeitado pela maioria, alguns abusaram além da conta, a Grécia fez pior: manipulou a contabilidade oficial. Aí veio a crise imobiliária americana, os bancos europeus tinham muitos ativos podres comprados no boom dos imóveis nos Estados Unidos, os governos tiveram que salvar os bancos e apareceram déficits monstruosos e um crescimento acelerado da dívida. A Europa decidiu dobrar a aposta para manter o euro, salvar a Grécia, tentar isolar outros países e convocar os bancos para dividir a conta “voluntariamente”.
O caso europeu mostra que tudo que parece muito bem pode se deteriorar rapidamente pela sucessão de eventos que a economia produz em época de crise. O país mais forte é a Alemanha. Não por acaso, é o que mais reformas fez, controlou gastos, entendeu a nova lógica do comércio internacional com a Ásia. A Alemanha foi criticada por ter relutado muito a abrir os cofres públicos e injetar recursos na economia para manter o crescimento. Mas o resultado é que o país voltou aos níveis pré-crise, retomou o crescimento e dá as cartas na tentativa de salvamento do euro.
Outra lição a tirar dessa crise é que a exposição ao risco precisa ser contida pela fiscalização e regulação da autoridade monetária. Os bancos brasileiros em 2008 não tinham aqueles papéis malucos nos seus ativos. Isso nos protegeu. O canal pelo qual a crise fez alguns feridos no Brasil foi a compra pelas empresas exportadores de derivativos cambiais. Portanto, prudência e boa regulação podem fortalecer o país no meio de turbulências mundiais.
O risco do calote americano tem os mesmos elementos da crise europeia. O gasto público excessivo para salvar os bancos em 2008 e financiar duas guerras cobrou a conta e chegou-se ao teto da dívida num momento em que o ambiente político está conflagrado pela radicalização. A queda de braço entre os dois lados do sistema bipartidário levou o país a uma situação dramática nas últimas horas. Na negociação, o mundo ficou sabendo que o sistema político americano produz impasses perigosos e descobre como é insensato o sistema de incentivos fiscais americano. O país de maior emissão per capita de gases de efeito estufa continua mantendo redução dos impostos da indústria de alto carbono, como a do petróleo.
O Brasil também tem um sistema de incentivos completamente torto. Termelétrica a carvão importado recebe incentivo fiscal na importação e subsídio no financiamento. Setores que não representam inovação, como o abate bovino, recebendo rios de empréstimos baratos. A infraestrutura logística é deplorável e o governo gasta bilhões num projeto extravagante. Uma hidrelétrica é construída no meio da Amazônia ignorando todos os riscos fiscais e ambientais. O país gasta de forma insensata e sem visão estratégica no tempo da abundância em vez de se preparar para a era da escassez que sempre chega.
Há sinais de formação de bolha no mercado brasileiro. Os economistas gostam de comparar a relação crédito total com o PIB de vários países para dizer que não temos bolha. Em qualquer cidade há histórias espantosas de elevação de preços de imóveis. Nos últimos meses, houve uma pequena desaceleração do ritmo de elevação desses preços, mas nada que torne a alta razoável. Brasileiros com dinheiro e cheio de propriedades aqui correm para comprar Miami, Portugal, Espanha.
Os espanhóis, portugueses, gregos acharam que tinham ficado ricos porque a entrada no euro lhes deu vantagens fiscais e financeiras. Hoje, a sensação de riqueza do Brasil vem em parte da moeda sobrevalorizada. É hora de fazer a lista dos erros que não se deve cometer, ou das correções de rumo necessárias para manter o bom momento econômico. (O Globo - Mirim Leitão)
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