sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A revolta dos mequetrefes


É revoltante a perseguição do Brasil a seus 81 senadores. Durante a vida toda, servindo a nação, eles receberam sem problema dois salários extras por ano, o 14º e o 15º. Nos valores atuais, R$ 53.400. Jamais pagaram algum imposto em cima desse valor. Zero. E, agora, vem a Receita Federal e decide cobrar deles o imposto devido nos últimos cinco anos, com multas e juros. Como se eles fossem uns mequetrefes. O Leão deu um prazo de 20 dias para Suas Excelências enviarem cópias de contracheques e comprovantes de rendimentos anuais.
Os senadores deveriam aderir à onda das greves. Virou moda servidor público partir para o confronto com a presidente Dilma e, por tabela, infernizar a população na rua, nas universidades, nos hospitais e nos aeroportos. Não importa quanto ganhem. Não importa que tenham recebido aumentos nos últimos anos acima da inflação. Aumentos maiores que os da população, engarrafada pelo poder dos sindicatos.
Uma greve dos senadores teria a vantagem de nem ser percebida, porque não faria a menor diferença para a vida de ninguém. Ou alguém acha que o país sofre durante os meses de recesso em que pagamos aos senadores para que eles não façam nada? Eles não fazem nada, e nós sofremos menos ainda.
Cada senador terá de devolver R$ 64.700, fora juros e multas, referentes aos anos de 2007 a 2011. Uma fortuna! Principalmente se calcularmos a merreca mensal que eles recebem de subsídio e verbas extras. Alguns deles também ganham aposentadoria de ex-governador. Um é o presidente do Senado, José Sarney, em seu terceiro mandato – que dá exemplo ao não revelar quanto ganha.
Embora sua zelosa assessoria de imprensa se recuse a divulgar, calcula-se que, somando tudo, deve rondar os R$ 80 mil a remuneração mensal do maranhense que adotou o Amapá. Sarney recebe R$ 26.723,12 como senador, mais as aposentadorias de ex-governador do Maranhão e de servidor do Tribunal de Justiça, além das verbas extras, chamadas inexplicavelmente de “indenizatórias”. Se Sarney ganhar menos (e não mais), ÉPOCA receberá uma carta de Fernando Cesar Mesquita, da Secretaria Especial de Comunicação Social do Senado. Esperamos que ele nos informe o exato valor, discriminado, em nome da clareza.
Pelo menos cinco outros senadores, do PTB, do DEM, do PMDB, do PP e do PT, ganham, como Sarney, aposentadoria de ex-governador, que varia de R$ 11 mil a R$ 24 mil. Vários senadores, flagrados pela imprensa, decidiram abrir mão do benefício. 
Às vésperas de sair da vida pública com uma vingança na manga (deixar Renan Calheiros em seu lugar), Sarney se diz feliz porque a Receita cobrou imposto apenas em cima dos últimos cinco anos: “Se fosse de todos os meus mandatos, não seria uma facada, seria um tiro. Nem se vendesse a Ilha de Curupu, que não é mais minha, daria para pagar”. Em 1970, Sarney se tornou senador pela primeira vez.
Os senadores se insurgiram contra a cobrança retroativa. Os políticos estão inquietos com essa mania de remexer o passado em nome da moralização e da transparência. Tanto esforço para não ser tratado como homem comum, zé-ninguém, mequetrefe. E, de repente, todas as regalias são ameaçadas, e o “toma muito lá dá muito cá” passa a ser crime. Até os pares cassam mandato. Imagine ter de enfrentar a Justiça de verdade e, pior ainda, o ministro Joaquim Barbosa fazendo perguntas capciosas ao vivo, na televisão, de supetão, fora do roteiro, sem nada combinado? Por que o Brasil resolveu se tornar um país menos avacalhado e mais sério?
Essa facada da Receita Federal não ficará assim não. Se a estratégia dos réus do mensalão é jogar a culpa no próximo, no subordinado ou no morto, os senadores também não assumem culpa de nada. Dizem que o erro foi do Senado, e não deles. Exigem uma negociação coletiva.
O líder do PSDB, o senador Álvaro Dias (PR), não se conforma em retirar do próprio bolso um dinheiro que, a seu ver, é devido pela instituição. “O erro foi do Senado, e nós é que vamos pagar a conta?”, pergunta Dias, escandalizado. Provavelmente, Dias quer que a dívida dos 81 senadores com a Receita seja retirada dos cofres públicos, de nosso bolso.
Nenhuma dessas raposas políticas sabia que teria de pagar Imposto de Renda sobre o 14º e o 15º salários. Eles achavam que isso era só ajuda de custo. Porque a vida deles custa muito. Não bastam auxílio-moradia, auxílio-passagem, auxílio-telefone, auxílio-combustível, auxílio-assessor, auxílio-correio, auxílio-refeição. Precisamos fazer um mutirão, uma vaquinha para ajudar os senadores amotinados. Caso contrário, eles podem fazer greve. Já pensou? Nem vou dormir.

De Ruth de Aquino, ÉPOCA

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