Aprovação a Dilma mostra que Brasil “encherga” bem
Há uma grita injustificada no caso das provas semi-analfabetas do Enem. Não dá para entender tanta indignação. Há anos o governo popular vem preparando o Brasil para a grande revolução educacional, pela qual a norma culta se norteará pelo português falado nas assembléias do PT. Como se sabe, depois de uma blitz progressista de Dilma e Fernando Haddad, livros didáticos passaram a ensinar que é certo escrever “nós pega o peixe”, entre outras formulações revolucionárias. Alguns especialistas teriam argumentado que o certo seria “nós rouba o peixe”, mas isso já é discussão interna deles.
Numa das redações que levaram nota máxima no Enem, o candidato escreveu “enchergar” – com “ch” em vez de “x”. Não há reparo a fazer, está perfeito o critério. Depois de três anos deixando o Enem à mercê dos picaretas, pois estava muito ocupado com sua agenda eleitoreira, o ex-ministro Haddad elegeu-se prefeito de São Paulo. Um fenômeno desses jamais aconteceria num país que enxerga – só num país que encherga. Está corretíssima, portanto, a observação por parte do estudante da nova norma culta.
Os que vêem algum erro nisso não estão sabendo acompanhar as velozes mudanças da língua, comandadas pela nova elite. O relato de Dilma Rousseff sobre seu encontro com o Papa Francisco, por exemplo, também mereceria nota máxima no Enem. Contou a presidente: “Ele estava me dizeno que ele espera uma presença grande dos jovens (na Jornada da Juventude) na medida em que ele é o primeiro papa, ele é várias coisas primeiro”. Os corretores progressistas do Enem só dariam nota 1.000 a uma construção dessas porque não existe 1.001.
O novo recorde de aprovação que acaba de ser batido pelo governo e pela “presidenta” só comporta duas explicações possíveis: ou o Brasil está “enchergando” bem, ou o Brasil está “enchergano” bem. Qualquer das duas hipóteses, porém, garante imunidade total à “presidenta” (que também é várias coisas primeira). Ela pode passear de helicóptero sobre as enchentes de Petrópolis e depois pousar, como uma enviada do Vaticano, para rezar pelas vítimas. Os desabrigados de dois anos atrás na mesma região continuam sem as casas prometidas pelo governo popular. Há famílias morando em estábulos. Alguns quilômetros serra abaixo, casas oferecidas pelo governo popular para removidos de áreas de risco foram inundadas pelas últimas chuvas. Moradias do programa Minha Casa, Minha Vida oferecem como bônus minhas goteiras, minhas rachaduras na parede.
O povo deve estar “enchergano” tudo isso, porque acolhe o helicóptero de Dilma como um disco voador em missão turística e vai rezar com ela na igreja local, pedindo proteção a não se sabe quem.
A aprovação popular ao estilo governamental de Dilma é comovente. Quem distribui as verbas federais contra enchentes é o ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho – aquele que mandava cerca de 80% do dinheiro para Pernambuco, por acaso seu domicílio eleitoral. As enxurradas podem levar casas e povoados inteiros, mas nada arranca Bezerra do cargo. E a cada nova intempérie é ele quem surge para rechear os comícios chorosos de Dilma com cifras voadoras, que servem basicamente para drenar as manchetes. Ainda de Roma, a chefa suprema da nação declarara que tomará “medidas drásticas” para remover os teimosos que insistem em morar em áreas de risco. O Brasil merece isso tudo.
A população culta também está “enchergano” bem. Todos chocadíssimos, batendo panela contra o pastor acusado de homofobia – nomeado para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Quem manda na Câmara? Quem fica caçando votos dos evangélicos, distribuindo vantagens aos seus líderes, como o famigerado Ministério da Pesca? “Nós pega o peixe e entrega ao pastor”, reza a norma culta do governo popular.
Quanto maior o rebanho, melhor a boquinha. Comissão de Direitos Humanos é troco.
Evidentemente, uma redação do Enem que enxergasse com x que o Brasil e suas instituições estão sendo emprenhados de ignorância pela indústria do populismo levaria nota zero. A revolução petista não tolera esses arroubos elitistas. Prefere receita de miojo.
De Guilherme Fiuza, revista ÉPOCA
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