Imaginem se o embaixador dos EUA no Brasil decidisse, por qualquer razão, comparecer a uma manifestação contra uma decisão tomada pela presidente Dilma Rousseff. Ele certamente seria chamado a dar explicações e correria o risco de ser expulso do Brasil. No mundo inteiro, exceção feita a períodos de guerra — e, mesmo assim, só excepcionalmente — representantes de governos estrangeiros não se metem em assuntos internos dos países nos quais se encontram, a menos que estejam conspirando. Não custa lembrar antes que sigamos: Lula tentou expulsar do Brasil o então correspondente do New York Times, que escreveu ser consenso que o Apedeuta gostava de uma cachacinha. O Babalorixá considerou uma ofensa grave.
Pois bem! O Judiciário é um Poder da República, como é o Executivo. Em muitos aspectos, é o Poder dos Poderes, porque a ele cabe dirimir as dúvidas, por exemplo, sobre competências do Executivo, do Legislativo e as suas próprias. Um governo estrangeiro que participe de uma manifestação pública de protesto contra uma decisão do Poder Judiciário está, na prática, se manifestando contra o Estado Brasileiro, contra o Brasil.
Lembro a vocês que o espírito nacionalista de alguns ficou bastante exacerbado porque o governo italiano recorreu contra o asilo concedido ao terrorista Cesare Battisti. Atenção! O estado da Itália não pregou o desrespeito a nenhum Poder constituído. Ao contrário: recorreu a um deles numa caso que lhe dizia respeito diretamente. E contratou advogados brasileiros. Mesmo assim, os petistas consideraram isso um atrevimento. Falou-se até em desrespeito à soberania nacional. E houve alguns cretinos na imprensa que caíram nessa conversa.
Os bolivarianos
Pois bem. A Câmara Distrital do Distrito Federal abrigou nesta terça uma daquelas manifestações comandadas por José Dirceu contra o julgamento do STF. Sim, trata-se de um protesto contra uma decisão da Justiça, acusada de agir de forma parcial, atendendo a interesses subalternos. Nunca antes se viram condenados tão cheios de razão. A Folha informa que o ato reuniu umas 500 pessoas — em Brasília, no lançamento do meu livro, sem apoio do governo de Agnelo Queiroz (PT), havia mais ou menos isso… A máquina oficial foi mobilizada em defesa do ato.
Até aí, qual a novidade? Nada que não esteja à altura do conhecido patriotismo de notório governador Agnelo. No ato, o deputado Distrital Chico Vigilante disse em público o que os petistas costumam falar privadamente quando não estão muito furiosos: “Os jornalistas são trabalhadores, mas a gente não aceita essa meia-dúzia de canalhas que não tem o direito de nos atacar.” Se os jornalistas que fazem o seu trabalho são “canalhas”, é claro que Chico Vigilante não é. Se os jornalistas não são, que triunfe a lógica binária.
A sogra do Zé tinha morrido havia pouco. Ele foi ao evento mesmo assim. Não consigo imaginar que grau de parentesco o faria se distrair desta causa tão nobre, que é do interesse de toda a humanidade: “José Dirceu”. Estava lá o homem, de punho cerrado, socialista pra chuchu, “guerreiro e herói do povo brasileiro”, na rima de resistência. Não é o seu melhor moralmente falando. Quando, anistiado, abandonou a primeira mulher porque, afinal, ele era outro — e quem havia se casado com aquela era o codinome —, creio que ele atingiu seu auge.
Nada disso — o Chico Vigilante, que canalha não é; a rima miserável; o apoio oficial a um ato contra o Poder Judiciário; o horror moral do dia — é, no entanto, tão grave como a presença no ato do embaixador da Venezuela no Brasil, Maximilen Sanchez. Trata-se de uma óbvia afronta ao Estado brasileiro e a suas leis. O senhor Sanchez estava participando de um ato contra uma decisão do Poder Judiciário da República Federativa do Brasil. Digamos, presidente Dilma Rousseff, que ele não fosse um aliado ideológico seu: caso engrossasse algum protesto contra uma medida do seu governo, o que faria Vossa Excelência?
Há muito José Dirceu perdeu a noção de limites e tenta arrastar o governo para a sua pantomima pessoal. Dilma tem resistido, mas é visível que o Planalto também não tenta coibi-lo. Ao liderar um ato contra o Poder Judiciário, com a presença de Sanchez, Dirceu cria um caso que é, sim, de governo. Se a presidente deixar isso passar em branco, sem ao menos o envio de um protesto formal, então estará incentivando, por omissão, a bagunça. E já passou da hora de mandar o Zé se mancar. O seu circo pessoal começa a exibir atrações mais perigosas.
Espero que Joaquim Barbosa, presidente do STF, encaminhe formalmente o seu protesto à presidente Dilma para que — afinal, a competência é dela — ela, então, que responde, nos limites da lei, pela relação do Brasil com os outros países, exija a as devidas desculpas.
Se Dilma não fizer nada, estará a dizer que governos estrangeiros podem meter o bedelho nos assuntos internos do Brasil desde que sejam, claro, aliados ideológicos.
De Reinaldo Azevedo, portal VEJA
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