segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Gleisi Hoffmann recria a Lei Alternativa (LA) nos moldes do AI

É, não tem jeito. Mesmo quando se mostra civilizado, decoroso, há uma incompatibilidade, que é congênita, entre o petismo e as instituições. Essa gente não gosta desse troço, mesmo quando se expressa com a sua face mais, digamos assim, harmoniosa e agradável. A ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil, é advogada. Formação intelectual e  experiência política não lhe faltam para entender o sentido das palavras. Apesar disso  — ou seria por isso? — disse hoje algo absoluta e clamorosamente impróprio. E no ambiente errado. Mais do que isso: parece que a Casa Civil não lhe basta, e ela já reivindica uma cadeira no Supremo. Prestem atenção a estas palavras:
“O RDC pretende ser uma alternativa à (lei) 8.666, que não tem dado resposta rápida e eficaz. Não há nele qualquer inconstitucionalidade. Acredito que a sua prática poderá contribuir muito mais nesse processo”.
O RDC é o “Regime Diferenciado de Contratação”, aquela feitiçaria que o governo inventou para tocar as obras da Copa do Mundo. Como os petistas ficaram pisando nos astros distraídos durante três anos, agora é preciso fazer alguma coisa para ver se as obras saem do papel. O quê? Ora, jogar fora a lei 8.666, que é a Lei de Licitações.
A ministra fez essa observação num evento no TCU intitulado “Seminário de Desenvolvimento de Infraestrutura no Pós-crise”. O nome é pseudo pra chuchu. Parece aula de filosofia de Marilena Chaui para mafaldinhas e remelentos. Que diabo de “pós-crise” é esse aí? Segundo Dilma anda discursando e, bem…, segundo certo consenso internacional, estamos é numa pré-crise. O TCU ajudou a elaborar o tal RDC. Deu, lamento dizer, um mau passo. Nessas coisas, cada macaco no seu galho. O órgão assessora o Congresso, mas não legisla; não lhe cabe.
Leis alternativas
Os correspondentes estrangeiros vindos de países democráticos, se já conseguem entender português, devem ficar verdadeiramente espantados: “Que curiosos esses brasileiros! Quer dizer que eles têm a lei e uma lei alternativa, é isso? Se não cumprem uma podem alegar que estão cumprindo a outra? Que exótico!!!
Se a gente pode ter duas leis para construir obras públicas, por que não pode ter duas, ou mais?, para todo o resto? A advogada Gleisi Hoffmann deveria responder. Isso, queridos, é inédito na história brasileira, em períodos democráticos ou ditatoriais. Algo parecido talvez tenha se dado com o AI-5, que poderia ser resumido assim: “Todos os direitos estão assegurados, menos quando forem cassados por este ato”. É o RDC: a Lei de Licitações continua a valer, a não ser que se aplique o RDC. Então tá!
É uma violência institucional!
Gleisi tem de ser mais modesta. A democracia concede um mandato ao Executivo, mas também o concede ao Ministério Público. Que eu saiba, não é a chefe da Casa Civil que decide o que é e o que não é constitucional. Havendo uma dúvida, a questão vai parar no Supremo, não é mesmo?, que é quem exerce o controle da constitucionalidade. Ou terei eu perdido alguma coisa no caminho, que a ministra Gleisi achou?
Dilma disse ontem ao Fantástico, apelando a certo clichê de psicologia vertida para as massas em revista feminina, que mulheres são mais detalhistas e analíticas; já os homens seriam mais generalistas e sintéticos. Então eu sintetizo a coisa assim: Gleisi Hoffmann acha que um país pode funcionar com dois aparatos legais, ainda que antitéticos. O governante escolhe aquele que lhe parecer melhor, a depender de suas necessidades. Se a Justiça conhecida não resguarda a sua decisão, que a socorra a Justiça Bastarda.
Agora vamos à questão da oportunidade. Roberto Gurgel, procurador-geral da República, que recorreu ao STF contra o RDC, compunha a mesa em que Gleisi discursou. Evidentemente, ela decidiu abrir um debate extemporâneo e fora do lugar, com o agravante de que ele não teve a oportunidade de contestá-la. Talvez nem o fizesse.
Não faltará quem diga: “Pô, a Loura é danada mesmo, hein!? Vejam que mulher corajosa! Diz o que pensa nas fuças do procurador-geral”. Há quem ache um avanço quando o Poder Executivo decide confrontar, desse modo, o Ministério Público. Eu acho que isso é nada além de atraso.
Até porque, meus queridos, lei alternativa, que eu saiba, quem tem são as ditaduras, são as tiranias. Lei alternativa era aquela usada pelos torturadores dos porões e pelos terroristas. A democracia tem apenas um aparato legal de cada vez. A verdade tem apenas uma vestimenta, como escreveu Musil.

Por Reinaldo Azevedo

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