domingo, 6 de janeiro de 2013

"Vade retro" 2012


2012 não deixou saudade, por Fernando Henrique Cardoso


É quase uma constante começar o ano novo com um balanço sobre o que finda e com votos de esperança para o futuro. Neste janeiro, não fosse a reiteração da esperança, haveria dificuldades em manter o ânimo. Melhor imaginar que algo de positivo ocorrerá no futuro porque, do ano que se encerrou, pouco restou de bom.
Na vida pessoal, é distinto. Cada um fará o balanço que melhor lhe aprouver; eu pessoalmente nada de monta tenho a lastimar. Mas, nos acontecimentos públicos, quanto desalento. Ainda bem que a História não se repete automaticamente. Vade retro!
Comecemos pela economia e pelas finanças internacionais. Quando parecíamos estar saindo da recessão que se arrastava desde 2008, a recuperação mundial se mostrou mais lenta, e a crise na Europa, ainda mais profunda. É desolação para todos os lados.
Os americanos, mais pragmáticos, nadam de braçada em um mar de dólares trocados por títulos de solvência difícil, à custa do resto do mundo. Este não sabe o que fazer com a taxa de câmbio para se defender da inundação de dólares enquanto os Estados Unidos postergam o dia do ajuste final.
Sua taxa de desemprego continua elevada, embora não em ascensão; não exibem retomada vigorosa da economia, sem todavia cair no abismo fiscal anunciado pela imprensa, o fiscal cliff. Ou melhor, estão mergulhados nele, mas com escafandro: mantêm as ruas aquietadas e vão contornando sem violência os que protestam nas praças, como no caso do movimento Occupy.
Não conseguem, é verdade, escapar do abismo político das posições radicalmente distintas entre republicanos e democratas, muito maior do que aquele no qual está imerso o Tesouro.
Os dois partidos não se entendem para definir uma política fiscal que alivie as aperturas do Tesouro, pois os republicanos não aceitam impostos que taxem mais os ricos, nem apoiam medidas que deem alívio às dificuldades dos mais pobres, sobretudo na questão da saúde. A sociedade americana parece bloqueada.
Os europeus pretendem levar a sério o que os americanos dizem, não o que fazem. Pilotam a economia com rédea de ferro, ortodoxos como ninguém conseguira antes. E a economia, tal como o cavalo do inglês que, quando aprendeu a viver sem comer, morreu, vai de austeridade em austeridade desfazendo o tão penosamente construído modelo social europeu, rompendo, ou melhor, sufocando o Estado de bem-estar social e destruindo as bases de um pacto de convivência aceitável.

De Fernando Henrique Cardoso, Política, Jornal O GLOBO

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