O britânico Michael Misick foi detido pela Polícia Federal no aeroporto do Rio de Janeiro quando tentava embarcar para São Paulo
Às 6 horas do dia 7 de dezembro do ano passado, o britânico Michael Misick foi preso por duas equipes da Polícia Federal no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, quando tentava embarcar para São Paulo. Os policiais cumpriam ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski. Dias antes, Lewandowski fora alertado pela Embaixada do Reino Unido de que havia um mandado de prisão contra Misick, expedido pela Justiça britânica nas diminutas Ilhas Turcos e Caicos, no Caribe. As 40 ilhas que formam o pequeno arquipélago são um protetorado britânico do tamanho de Belém, Pará, que vive do turismo em suas praias exuberantes. Misick, natural de lá, foi primeiro-ministro das Ilhas entre 2003 e 2009. Ele fugiu para o Brasil há dois anos, depois que as autoridades britânicas descobriram que cobrava propina de empresários interessados em abrir resorts nas Ilhas – e pouco antes de a Justiça de lá mandar prendê-lo por corrupção e formação de quadrilha. Misick, que tem uma fortuna avaliada em US$ 180 milhões, recebeu, de oito empresários, ao menos US$ 16 milhões em suas contas nos Estados Unidos. Em contrapartida, o governo que ele chefiava autorizou a construção de resorts de luxo frequentados por famosos, como Bill Gates e Bruce Willis.O Reino Unido, valendo-se de um tratado de extradição assinado com o Brasil, pediu a Lewandowski, relator do processo, que devolvesse Misick às Ilhas Turcos e Caicos. Nesses casos, a lei prevê a prisão como primeira etapa da extradição, para assegurar que o estrangeiro não fuja – o que se cumpriu naquele dia no Aeroporto Santos Dumont. Para completar a extradição, bastava que, em seguida, o Reino Unido enviasse ao Brasil um pedido formal, repleto de assinaturas burocráticas, e documentos do processo contra Misick. O Reino Unido mandou a papelada, mas Lewandowski não mandou Misick para os ingleses. Mandou Misick para casa.
O caso de Misick, que era apenas inusitado, ficou estranho no começo de fevereiro. No dia 6, apesar de um parecer contrário da Procuradoria-Geral da República e da tradição do Supremo nesses casos, Lewandowski, citando um atraso do Reino Unido no envio do pedido de extradição ao Brasil, mandou soltar Misick. “Diante do descumprimento das formalidades essenciais por parte do Estado Requerente (o Reino Unido), previstas no tratado, para a manutenção da prisão do extraditando, consigno que a expedição do competente alvará de soltura em favor deste é medida que não pode ser postergada”, escreveu. Em situações como essa, os ministros do Supremo, cientes dos labirintos da burocracia de Brasília, costumam manter a prisão, concedendo novo prazo às autoridades do país interessado. A inovação jurídica de Lewandowski virou constrangimento diplomático dias depois, quando o Ministério da Justiça repassou ao Supremo a papelada do Reino Unido – que fora entregue ao Itamaraty no dia 28 de janeiro, antes de vencer o prazo de 60 dias, estabelecido no tratado entre os dois países. Os britânicos agiram corretamente: o tratado prevê que a papelada seja entregue ao Estado brasileiro, não à Suprema Corte. Pelo tratado, mesmo que o Reino Unido tivesse entregado a papelada após o prazo, a extradição voltaria a tramitar normalmente, assim que os documentos chegassem.
(Antes de continuar com o estranho caso, é importante fazer um parêntese. Misick contratara um advogado para defendê-lo no STF: Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-deputado pelo PT de São Paulo. Seria um advogado para lá de comum, não fosse seu privilegiado acesso aos gabinetes de Brasília ocupados por petistas, sobretudo os petistas de São Paulo. Lewandowski, que é de São Bernardo do Campo, mesma cidade do ex-presidente Lula, foi nomeado para o Supremo com o apoio do PT paulista – o PT de Greenhalgh. Fecha parêntese.)
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De Costeguy, com Flávia Tavares, revista ÉPOCA
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