O Ministério Público pediu à Polícia Federal abertura de inquérito contra Lula. A base do pedido é a denúncia de Marcos Valério de que o ex-presidente teria intermediado um repasse de R$ 7 milhões de uma telefônica para o PT. Valério teria ido a Portugal em 2005 para preparar essa operação.
O Ministério Público parece que bebe. Será possível que os procuradores ainda não entenderam? Lula não sabia. Tanto não sabia, que até outro dia afirmava, para quem quisesse ouvir, que o mensalão não existiu. A condenação dos seus companheiros mensaleiros, aliás, deve ter sido um choque para ele. Se é que ele já sabe o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal.
É uma injustiça essa suspeita de armação petista para sugar milhões de uma empresa privada de telefonia. Todos sabem que o PT prefere extorquir empresas públicas. Até porque as estatais são coisa nossa (deles). Com tanto trabalho para chegar ao poder e passar a ordenhar os cofres do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, do BNDES, por que Lula e sua turma iam perder tempo achacando uma telefônica portuguesa?
Ao receber a notícia sobre o inquérito contra Lula por suspeita de envolvimento com o valerioduto, José Dirceu reagiu imediatamente. E disparou o argumento fulminante: o mensalão não existiu. Se existe alguém com autoridade para afirmar isso, esse alguém é José Dirceu. Condenado a 10 anos de prisão, ele sabe que essas coisas que não existem podem dar uma dor de cabeça danada. Assim, se Lula não sabia de algo que não existiu, nada melhor do que ser defendido pelo lendário Dirceu guerreiro do povo brasileiro – personagem que também não existe.
Enquanto o filho do Brasil espera esfriar a denúncia do pedágio colhido com a telefônica, recebe a solidariedade dos fiéis por seu trabalho com as empreiteiras. Sabe-se agora que o ex-presidente fez uma série de viagens internacionais bancadas por algumas grandes construtoras brasileiras. Lula explicou que isso foi um ato patriótico – ele foi ajudar empresas nacionais a fazer negócios no estrangeiro, para o bem do Brasil. Não restam mais dúvidas: a vida é bela. E é feita de gestos nobres como esse: um ex-presidente aproveita o seu tempo livre para fazer boas ações, ajudando empresários a ganhar dinheiro no exterior, porque país rico é país sem pobreza empresarial.
Aí surge um comovente coro de progressistas, éticos e crédulos para afiançar as turnês lulistas, gritando que o ex-presidente não fez nada de mais. De acordo com a nova moral da república companheira, não fez mesmo. Qual é o problema de o líder máximo do partido que governa o país desenvolver uma relação particular (ou patriótica) com grandes empreiteiras que têm o governo como cliente? Que mal haveria na ajuda de Lula a empresas que são decisivas no jogo político com suas doações às campanhas eleitorais? Qual é o problema de o ex-presidente ter viajado à Venezuela para arrancar de Hugo Chávez US$ 1 bilhão devido a uma dessas empreiteiras, que pagou a viagem de Lula? E se essa empresa for a que realizará o sonho do ex-presidente de construir o estádio do seu clube de coração para a Copa do Mundo, fazenda a alegria de milhões de torcedores-eleitores fiéis?
Não tem problema nenhum. Esse é o Brasil moderno, onde as coisas acontecem às claras, inclusive o tráfico de influência. A não ser quando o ministro do Desenvolvimento declara secretos os documentos de financiamentos do BNDES a Cuba e Angola, para obras dessas mesmas construtoras amigas de Lula. Deve ser para a imprensa burguesa não meter o bedelho – o que sempre é uma boa causa. Por acaso, o ministro do Desenvolvimento é Fernando Pimentel, o amigo de Dilma que prestou consultorias milionárias à indústria de Minas Gerais. Como se sabe, essas consultorias nunca foram demonstradas, o que indica que devem ter sido também apenas um ato patriótico (nova definição para o velho ditado “uma mão lava a outra”).
Pelo visto, a mão que nenhuma outra lavou no final das contas foi a do companheiro Valério – logo ele, que lavou tanto para tanta gente. Agora, o operador do mensalão que não existiu quer mostrar a mão grande do chefe. Será mais um susto. Ele não sabia.
De Guilherme Fuiza, blog, revista ÉPOCA
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