domingo, 17 de julho de 2016

Apesar de assumir a autoria do massacre em Nice, é preciso cautela: o EI costuma se gabar de crimes que não cometeu


O Estado Islâmico assumiu a autoria do atentado em Nice, o segundo pior atentado terrorista na história da França, que deixou ao menos 84 mortos e 202 feridos na noite de quinta-feira (14). Por meio de um comunicado, a agência de notícias Amaq, uma espécie de imprensa oficial do EI, disse que o tunisiano Mohamed Lahouaiej Bouhlel, de 31 anos, identificado pelas autoridades francesas como a pessoa ao volante do caminhão, era "um soldado do Estado Islâmico e lançou o ataque para atender aos chamados para atacar os cidadãos dos países que fazem parte da coalizão internacional que combate o Estado Islâmico".

Também no sábado, o Grupo de Inteligência SITE, que monitora comunicações jihadistas, disse que o Estado islâmico tinha oficialmente reivindicado a responsabilidade em um boletim de notícias em sua estação oficial de rádio, Al Bayan, e fez uma ameaça aos países que integram a coalizão internacional que ataca o EI na Síria e no Iraque: "fiquem alertas, países cruzados, vocês não estão seguros".
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Mas o Estado Islâmico tem, de fato, alguma ligação com o atentado em Nice? O comunicado do Estado Islâmico foi recebido com cautela pelos especialistas em terrorismo.Apesar do ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve, ter dito neste sábado (16) que o autor do ataque em Nice "parecia ter se radicalizado muito rapidamente", os serviço de Inteligência francês ainda não deu provas de como ele se radicalizou. O perfil de Bouhlel não casa com o de jihadistas usuais, a não ser pelo desequilibrio psicológico evidente. Além disso, os espécialistas em jihadismo afirmam que o Estado Islâmico, muitas vezes, assume a responsabilidade pela violência levada a cabo em seu nome mesmo quando não havia nenhuma indicação de que a rede terrorista teve qualquer papel direto no planejamento ou execução dos ataques. Ao contrário da al-Qaeda, o Estado Islâmico apoia e incentiva que indivíduos sozinhos cometam assassinatos indiscriminados dos cidadãos de países que considera inimigos.
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O encolhimento territorial (do Estado Islâmico) parece ser inversamente proporcional à capacidade do grupo em causar estrago com relativa pouca infraestrutura em diferentes países. Isso porque o Estado Islâmico é o principal patrocinador deste novo tipo de terrorismo, que usa extremistas isolados ou em grupos pequenos para cometer atrocidades contra pequenos alvos com grande concentração de pessoas. Chamados de “lobos solitários”, privilegiam ataques contra alvos civis como cafés e supermercados, comandados por grupos de no máximo cinco terroristas. São ações mais fáceis de concretizar, que aterrorizam a população, geram publicidade e são difíceis de detectar.
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No caso de Nice, parece ainda mais estranho que o grupo tenha, de fato, algum envolvimento. Autoridades francesas já disseram que Mohamed Lahouaiej Bouhlel não estava no radar dos serviços de inteligência. e não figurava na chamada Lista S, do Diretório Geral de Segurança Interna da França, de pessoas que teriam ligação com radicais islâmicos ou estariam em processo de se radicalizar e, por isso, são monitoradas. Também não parece ter seguido a cartilha usual dos lobos solitários, de jurar fidelidade antes, durante ou depois de atacar. As investigações, até o momento, mostram que Bouhlel também não tinha o perfil usual dos jihadistas. Bouhlel gostava de bebidas alcoólicas, haxixe e usava bermudas com frequência - costumes no mínimo atípicos para um jihadista. Não tinha contatos com radicais islâmicos conhecidos, nem viajou para países do Oriente Médio considerados celeiros de terroristas, como Síria e Iraque.
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A estratégia para manter o povo em terror permanente, e para tirar dividendos de qualquer ataque cometido mundo afora, tem sido eficaz. Como escreveu Charlie Winter, que pesquisa violência e conflitos transculturais na Universidade da Georgia: "Não importa se a cobertura é negativa. Para o EI, desde que seja nos termos dos propagandistas e transmita uma suposta força e onipresença do grupo, qualquer aparição na mídia é uma boa aparição".

De Rodrigo Turrer, ÉPOCA

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